De Christiane F.
Conheci este livro no meio de uma conversa, lembro-me bem. Queixava-me de que não tinha naquele momento nenhum livro na cabeceira da cama, foi-me logo recomendado este livro, claramente eu tinha de o ler.
Christiane sempre viveu numa pequena aldeia humilde, até aos seis anos de idade. Pouco depois da celebração do seu sexto aniversário a sua família, pai, mãe e irmã mais nova mudaram-se para Berlim, mas é aqui que depois de tantas promessas de uma vida melhor a vida desta família se começa a desmoronar. Inicialmente por atos violentos por parte do seu pai e consequentemente a separação desta família. Depois da separação do casal as filhas ficam também afastadas. Christiane opta por ir viver com a sua mãe, por sua vez, a sua irmã fica a viver com o pai.
Estes acontecimentos, e a influência de novas amizades levam a que Christiane se envolva no tabaco e no álcool.
"Os rapazes acenderam o cachimbo e fizeram-no circular entre eles. Um, após outro, levaram-no aos lábios e aspiraram o fumo […]. Quando chegou a minha vez, recusei. Foi uma reação automática, pois o meu mais profundo desejo era pertencer ao grupo. Mas… fumar droga? Não podia fazer semelhante coisa – era demasiado nova. Senti-me muito assustada."
Pouco tempo passou até que Christiane se envolvesse nas drogas, na verdade, ela procurava nas drogas um sentimento de pertença que até então não conhecera, queria entrar num mundo que não era dela, mas ao qual era capaz de se adaptar.
- Hoje está-me a apetecer uma pedra.
Fiquei desiludido, apesar de já todos sabermos que a Christiane se ia envolver nas drogas, queremos sempre acreditar que será de outra forma. Não será assim. Foi assim, não havia outra forma. Fiquei magoado. Todos os conselhos que lhe dera não foram escutados.
Primeiro haxixe, depois LSD, Valium, Mandrix, entre outras doses de comprimidos misturados, adquiridos na casa do centro.
Mais tarde, na Sound, a discoteca mais popular da Europa, conhece o seu namorado, Detlef, mas também outras drogas entre elas a heroína.
Christiane não queria envolver-se na heroína, repudiava todos os que se envolviam nesta droga. Contudo, em pouco tempo deixou de repudiar para querer experimentar.
Lembro-me bem quando Christiane snifou pela primeira vez. Tinha ido ver o concerto de David Bowie com um amigo que já consumia heroína, este estava em crise de abstinência total, necessitava rapidamente de mais droga para se aliviar. Christiane era fabulosa em cravar dinheiro, foi para a saída do concerto pedir dinheiro a todos os que saiam.
Enquanto Bernd foi tratar da compra, disse para comigo «Foste tu que arranjas-te o dinheiro – pelo menos, devias experimentar também. Só para ver se essas coisa é mesmo assim tão boa. O pessoal tem sempre um ar tão feliz depois de um chuto» Foi tudo que pensei. Não tinha noção de que, de algum modo , tinha andado a preparar-me para aquilo ao longo dos meses anteriores. Nem sequer percebia que estava em plena depressão, [...] e que, perante a ineficácia das outras drogas, a heroína era o fim logico do meu caminho. Disse simplesmente a mim própria que não tinha a mínima vontade de ver Frank e Bernd a curtirem uma moca de heroína e a deixarem-me sozinha com a minha tristeza. Assim anuncie aos rapazes que também queria experimentar.
De forma a contextualizar a passagem, Frank foi o amigo que Christiane convidara para o concerto, Bernd é um terceiro amigo que apareceu no concerto e por sua vez ajudou Christiane a resolver este problema.
Depois de Christiane snifar surge agora a necessidade/ curiosidade de se chutar (injetar-se, termo usado pela Christiane ao longo do livro)
- Escuta, estou farta de snifar – disse eu a Detlef, excitada. – Desta vez quero chutar, como tu.
Isto aconteceu no mês em que Christiane completou 14 anos de vida e por recompensa recebeu 50 marcos, oferecidos pela sua mãe. Christine gastou 40 desses marcos em heroína e os restantes 10 marcos em tabaco. A dependência da heroína já não estava muito longe de chegar.
Deprimida, pus-me a falar comigo própria em voz baixa. «Pois bem, Christiane, já tens o que querias. Era o que imaginavas? Certamente que não. Mas a escolha foi tua. Costumavas admirar os agarrados. E agora és como eles. Já nada te impressiona. Se te falarem de crise de abstinência, já não tens de arregalar os olhos, pois já sabes o que é. Ninguém te vai voltar a chamar de bebé. É a tua vez de impressionar os outros»
Crise de abstinência. Prostituição. Inicialmente, Detlef, e mais tarde, visto que este não conseguia assegurar a dose diária para ambos, Christiane juntava-se a Detlef na prostituição.
Certo dia, Detlef foi incapaz de juntar dinheiro suficiente para assegurar a dose do dia seguinte para não entrarem em crise de abstinência, então decidiram que Christiane iria cravar dinheiro nas ruas de Berlim, até que foi abordada por um condutor.
O condutor do mercedes fez-me sinal. Reconheci-o. O tipo costumava andar por ali e não era a primeira vez que me abordava. Dirigiu-me a fórmula habitual:
- Queres ganhar uma nota de cem?
Certa vez, chegara até a perguntar-lhe o que queria em troca. Respondera-me «Nada de especial» e eu ria-me na cara dele
Mas, naquele momento, não sei exatamente o que pensei. Talvez qualquer coisa do género: «Fala com o tipo e tenta saber o que quer ele ao certo. Talvez consigas sacar uma nota ou duas.» O certo é que me aproximei do Mercedes. O homem disse-me que entrasse, pois não podia estacionar ali. Assim o fiz.
Depois desta primeira vez, ficou combinado entre ambos que dividiam os clientes e que Detlef se encarregava de uma parte do corpo e Christiane outra.
Algum tempo passou, as mentiras de Christiane à mãe perduraram durante muito tempo, até que ela descobrisse que Christiane se picava.
A reação da mãe foi esta.
Foi um golpe duríssimo. De certa forma, Christiane estava a apresentar-me a fatura daquela educação que tanto me orgulhava. Nesse dia apercebi-me de que tinha feito tudo mal, simplesmente porque me guiara por uma única ideia: não cometer os erros educativos do meu pai.
Depois desta descoberta por parte da mãe, Christiane submetera-se a várias reabilitações, todas sem sucesso, Christiane voltava sempre ao estado de dependência.
É importante referir que nessa altura a reabilitação era apenas física, ou seja, a parte psicológica não era tratada, assim quando já não tinham sintomas da crise de abstinência eram consideradas pessoas limpas.
Vê agora um pequeno excerto do filme "Os Filhos da Droga", no momento da primeira reabilitação de Christiane, à qual Detlef também se juntou.
Com o tempo Christiane foi piorando o seu estado de dependência ultrapassando várias etapas difíceis, sem o apoio da família, que foi perdendo o entusiasmo em ajuda-la e o namorado que a certa altura é preso e depois parte para Paris para também fazer uma reabilitação.
Em jeito de conclusão, "Os Filhos da Droga" foi uma grande surpresa, aprendi muito com este livro, que mostra o detalhe em cada frase lida.
Durante os últimos dias, senti que Christiane me tratava como seu confidente, contou-me tudo, ela acreditou em mim, sempre, nunca teve medo nem receio da minha reação. Christiane hoje, despede-se de mim, não é um para sempre, certamente será um até já, mas até lá Christiane quer contar-te a sua história. Aceita, pois vais viver os dias mais intensos da tua vida, vais aprender as melhores lições de vida e acima de tudo vais aprender a viver.
Estas páginas ensinam-nos muito, não apenas sobre a droga e o desespero, mas também sobre a deterioração do mundo de hoje.
Excerto retirado da contracapa do livro.
Vê agora umas imagens de Christiane F. :
Ficha Técnica
ISBN - 9789725304815
Editor: Bizâncio
Idioma: Português
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